Eu não sei como foi que eu cheguei até aqui. Já tem um ano que tudo começou. De início eu achava que tiraria de letra. Afinal de contas, diz-se (ou digo de mim mesma?) que sou das somáticas. Faço isso todos os dias o dia todo: inspira, expira, observa seu corpo, relaxa qualquer tensão que esteja presente... Só que a experiência é sempre diferente do que se imagina e o corpo está sempre em relação, quer queiramos ou não. O controle cai por terra quando o fluxo de atravessamentos nos invade sem piedade. Nesse país da calamidade sanitária e política, procuro buracos e respiros de existência. Quando o ar fica pesado e o céu cai, eu visito árvores para que me lembrem de como se vive. Nessa semana tudo se acumulou. Final de semestre. Trabalho das disciplinas. Aulas presenciais, aulas remotas. Não dá para esquecer nunca de que por mais que tentemos nos desvencilhar, somos peças de uma grande engrenagem chamada capitalismo. Afinal de contas, sou autônoma e os boletos sempre chegam. Voltando para as disciplinas e a finalização do semestre, hoje fiz o registro de arquivo de uma performance como parte de conclusão da disciplina ‘Estudos da Performance’. Inicialmente comentei de forma sincera e autêntica com os professores que estava me sentindo sem potência de criação nenhuma nesse momento triste e sobrecarregado que estamos vivendo. Esgotamento físico e mental é meu estado somático atual. Em conversas e discussões com a turma (bastante produtivas e enriquecedoras por sinal), decido utilizar o meu momento de falta de potência para produzir minha performance. Mais como um ritual de cura do que como necessidade de criação de algo. Quem disse que temos que criar? Meu marido diz uma frase que eu adoro: “Não tem que nada!”. Então já que “não tem que nada”, aproveito para me desfazer de qualquer cobrança e obrigatoriedade e embarco na experiência somática de um ritual onde a minha ideia inicial era cavar e escavar a terra. Pensei inicialmente no elemento terra como representação de um paradoxo entre vida e morte, pelo menos na cultura ocidental. Também posso fazer relação com o processo terapêutico que venho vivenciando nos últimos meses, que tem sido disparador de uma dinâmica escavatória de mim mesma na tentativa de sair do buraco das crises de ansiedade em que me encontro agora. Curioso perceber que o que imaginamos sempre é diferente do que acontece na experiência. Achei que seria muito fácil cavar a terra com as próprias mãos. Só que seca, a terra fica muito dura e a minha escavação transformou-se em uma boba tentativa. Assim, o que me sobrou foi a oportunidade de experimentar o que me era possível naquele momento e naquele espaço e seguir em frente com o meu ritual de cura. Queria poder escrever um pouco mais sobre estas experiências, mas agora preciso retornar ao lugar onde meu corpo e meu pensamento mais me levam: a prática. Sigo para dar mais uma aula. Quem sabe ainda consigo pegar este texto mais tarde e traçar algumas ideias com as palavras. Até lá, estarei no Zoom. * Este texto foi escrito em camadas, em dias aleatórios, entre uma aula e outra.
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Tatiana ParáArtista, professora e pesquisadora do corpo. Mestranda em Dança pelo PPGDan - UFRJ na linha de pesquisa Poéticas e Interfaces da Dança. Pós-Graduada em Terapia Através do Movimento pela Faculdade Angel Vianna. Psicóloga graduada pela Universidade da Amazônia. Professora certificada e licenciada nos métodos Gyrotonic e Gyrokinesis. Bailarina formada pela Royal Academy of Dance. Histórico
Junho 2021
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